segunda-feira, 22 de abril de 2013

O diagnóstico


Durante meses observava um comportamento anormal do meu intestino. E como todo ignorante, eu ignorava. Eram 2 sintomas que aconteciam esporadicamente, e como vinham e sumiam tão rápido quanto chegavam, eu achava que não era nada. O primeiro era muito curioso, toda a vez que comia pizza, tinha diarréia, geralmente pela manhã. depois passava. Podia comer esfirra, e não acontecia nada. Mas pizza, não importava de que pizzaria, ou qual sabor, podia esperar, no outro dia, diarréia. Como eu adoro pizza e comia frequentemente, pude ver a correlação. Claro não falava sobre isso com ninguém. O segundo sintoma, foi sangue durante a evacuação. Não nas fezes, apenas o papel higiênico ficava manchado. Sangue vivo. isso me acontecia muito de vez em quando, as vezes ficava 2 meses sem acontecer. Mais uma vez, é claro que não falei sobre isso com ninguém. 

Um belo dia resolvi que isso não era normal e resolvi que precisava ir ao médico. Mas eu tinha uma rotina de trabalho que exigia muito de mim e me dava pouco tempo. Viajava muito, e dificilmente conseguia marcar horário para ver os médicos. Quando conseguia, faltava na consulta. Desta forma foram umas 2 vezes até que o sangramento aconteceu de novo, por volta de junho ou julho de 2012. Imediatamente, corri para a lista de médicos credenciados do meu plano de saúde escolhi um e marquei.

A consulta foi com a Dr. Carol, médica que se mostrou muito competente. Descrevi os sintomas, e ela fez o exame de toque, foi a primeira vez que "minha masculinidade foi posta em desafio". Sim eu sei, idiota demais, mas enfim... Ela não observou nada de anormal e pediu uma bateria de exames, sangue, fezes e uma  colonoscopia.

Marquei a colonoscopia para um sábado e os demais exames, fui empurrando, principalmente por que um dos exames de fezes era muito chato para coletar. 

Nesta colonoscopia, fui sedado pela primeira vez, pelo que podia me lembrar, e ao acordar, o médico responsável, Dr. José Carlos, pediu que eu não fosse embora antes de falar com ele. Quando eu tinha realmente acordado, ele veio até mim e me disse que durante o exame ele viu 2 pólipos. Coletou amostras para biópsia e que eu deveria voltar para acompanhar. Disse que não me preocupasse mas que também não esquecesse, e deixasse para ver depois, provavelmente ele pretendia me deixar com uma pulga atrás da orelha, e conseguiu, embora pela aparência dos pólipos, ele já desconfiava do que era, pelo que soube meses depois. Mas demorei ainda com o exame parasitológico, acabei retornando para levar os resultados  para a Dr. Carol mais de um mês depois.

Durante a consulta, a Dr. foi abrindo os exames, e como está muito de costume entre os médicos, usou bastante tempo digitando os resultados no computador. Pude ver a mudança na sua expressão quando abriu o resultado da biópsia. Quando terminou toda a avaliação dos resultados dos exames, ela olhou para mim e disse que eu tinha câncer. De nenhuma maneira eu esperava ouvir esta palavra, e por isso saiu um espontâneo "Câncer?" na esperança de que eu tinha ouvido errado. Mas não tinha ouvido errado e por alguns instantes meu pensamento deve ter saído para dar uma volta, e não sei quantos segundos se passaram até que eu pudesse balbuciar mais alguma palavra. Não me lembro direito de todos os detalhes daquela consulta, me lembro apenas de ter perguntado se tinha cura, ela me disse que sim, que era assim, assim assado, mas que existiam riscos. Perguntei então se eu deveria ficar tranquilo ou preocupado. Ela disse que eu deveria ficar bastante preocupado e que deveria fazer uma cirurgia o mais breve possível, e eu estava ainda preocupado com uma viagem a trabalho que eu deveria fazer. Me lembro ainda de estar tentando raciocinar, em vão, enquanto ela preparava uma série de pedidos de exames complementares para estadiamento da situação.

Essa consulta foi realizada no horário do almoço, e eu deveria voltar para o escritório. Fiquei em estado de letargia, não conseguia pensar em nada, era difícil firmar os pés no chão para caminhar até o metrô e fazer todo o percurso. 

Coisas que tenho que lembrar:
Se algo está diferente no corpo, é melhor ir verificar, pois algo pode estar errado.
Por mais que eu goste do meu trabalho e do meu emprego, é melhor não dar prioridade a ele em detrimento a minha saúde.

Apresentação (um começo)

Um certo dia recebi um caderno, que foi acompanhado das seguintes frases: "Sei que você é fechado e que tem coisas que nunca vai dividir com ninguém. Escreva estas coisas neste caderno, prometo que nunca vou ler." Claro que nunca escrevi uma só palavra neste caderno. Mas agora me passa a idéia de que deveria ter escrito muito nele. Coisas que não se deve esquecer, e que estive, de uma maneira ou de outra, esquecendo. 

Ainda é cedo para esquecer o momento em que fui diagnosticado como portador de uma neoplasia maligna de reto. Ou de tudo o que passei desde então. Mas tenho uma memória fraca, e como a vida tem de continuar, invariavelmente, vou acabar esquecendo.

Quem me ofereceu este caderno foi a minha esposa, em algum momento entre o meu diagnóstico e a minha  primeira cirurgia. No momento, acreditei que não queria registar, ou mesmo pensar a respeito, pois assim seria mais fácil vencer. Mas não é possível vencer um inimigo desconhecido. E é certo que se não nos lembrarmos do passado iremos cometer os mesmos erros que cometemos anteriormente.

Estas linhas, e provavelmente todas as seguintes, não vão interessar ninguém além de mim. Pois são a minha história, e como disse Dale Carnegie: "as pessoas estão mais preocupadas com o seu resfriado do que com a vida alheia" ou qualquer coisa do tipo. Mas ainda assim, minhas experiências podem servir de referência para alguém que passar pelo que estou passando e pelo que passei. Não posso garantir que todos os meus passos, pensamentos, atitudes ou conclusões foram as mais corretas. Mas foram as minhas, nada pode mudar isso, e não pretendo avaliar se foram boas ou ruins. Talvez em algum momento, eu possa falar sobre outras coisas e talvez alguém se interesse.. quem sabe.

Vou tentar manter ao máximo a cronologia dos acontecimentos, e escrever tanto quanto possível, para ficar o máximo atualizado possível e acompanhar os acontecimentos atuais.